A FÁBRICA DE POMPÉIA


“EXISTEM ‘BELAS ALMAS’ E ALMAS MENOS BELAS. EM GERAL AS PRIMEIRAS REALIZAM POUCO, AS OUTRAS REALIZAM MAIS.”

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

o desejo do feio

Construído a partir de um antigo galpão e de duas áreas unidas por um córrego, o SESC – Fábrica de Pompéia chama a atenção por sua singularidade. Lina Bo Bardi fala que esperava que o conjunto esportivo fosse feio, o verdadeiro feio aquele que é difícil de conceber. Não se trata de um desejo estético pelo o horrendo, mas por aquilo que transmite sensações para as pessoas. A maioria das inovações ou novidades que surgem são tidas como estranhas ou feias em um primeiro momento e depois se acostuma com elas e já se cai no cotidiano, acostumando os olhos aquilo que era novo, já não havendo mais feiúra ou estranheza, talvez nem haja mais sensações. Talvez por isso Lina busque o feio. Aquilo que não é confortável aos olhos, que não caia numa ausência de sensações, mas que ao contrário sempre mostre algo novo e seja singular em sua época.

Resumo da obra

A obra localizada na cidade de São Paulo teve início em 1977, a arquiteta que a projetou foi Lina Bo Bardi que teve como colaboradores André Vainer e Marcelo Carvalho Ferraz. O Centro de Lazer SESC – Fábrica de Pompéia pode ser resumido a quatro grandes áreas: os galpões da antiga fábrica, o bloco do conjunto esportivo, o bloco dos vestiários e a caixa d’água. Nos galpões reformados ficam localizados a administração; um espaço para exposições temporárias; biblioteca de lazer; videoteca; espaço de estar com mostras expositivas; vestiários e refeitórios dos funcionários; cozinha industrial; restaurante; choperia; teatro (capacidade para 1200 lugares); laboratório fotográfico; estúdio musical; sala de danças; ateliês de cerâmica, pintura, marcenaria, tapeçaria, gravura e tipografia; almoxarifado e oficinas de manutenção. No bloco do conjunto esportivo, que possui 5 pavimentos duplos, ficam locadas as piscinas, o ginásio, e as quadras (identificadas e pintadas segundo as estações do ano). Já no bloco dos vestiários, além deles ficam localizados ainda a lanchonete, as salas de ginástica e as salas de lutas e danças, sendo no total 11 pavimentos.



Mas a definição, embora já muito conhecida, que melhor define o SESC- Fábrica de Pompéia é a da própria arquiteta, que explica a sua concepção:


“Reduzida a dois pedacinhos de terra, pensei na maravilhosa arquitetura dos ‘fortes’ militares brasileiros, perdidos perto do mar, ou escondidos em todo o país, nas cidades, nas florestas, no desterro dos desertos e sertões. Surgiram, assim, os dois ‘blocos’, o das quadras e piscinas e o dos vestiários. No meio, a área ‘non edificandi’. E... como juntar os dois ‘blocos’? Só havia uma solução: a solução ‘aérea’, onde os dois ‘blocos’ se abraçam através de passarelas de concreto protendido.


Tenho pelo ar-condicionado o mesmo horror que tenho pelos carpetes. Assim, surgiram os ‘buracos’ pré-históricos das cavernas, sem vidros, sem nada. Os ‘buracos’ permitem uma ventilação cruzada permanente.


Chamei o todo de ‘Cidadela’, tradução da palavra inglesa ‘goal’, perfeita para um conjunto esportivo.


Na área ‘non edificandi’ pensei num grande deck de madeira. Ele corre de um lado para o outro do ‘terreno proibido’ em todo o seu comprimento; a direita, uma ‘cachoeira’, uma espécie de chuveiro coletivo ao ar livre.


Meu grande amigo Eduardo Subirats diz que o conjunto da Pompéia tem um poderoso teor expressionista. É verdade que isto vem de minha formação européia. Mas eu nunca esqueço o surrealismo do povo brasileiro, suas invenções, seu prazer em ficar todos juntos, de dançar, cantar. Assim, dediquei me trabalho da Pompéia aos jovens, às crianças, à terceira idade: ‘todos juntos’”.

Ficha Técnica

1977-1986 : Proprietário: Serviço Social do Comércio – SESC


Arquiteto: Lina Bo Bardi

Arquitetos colaboradores: Marcelo Carvalho Ferraz / André Vainer

Recuperação da Fábrica: Serviço de engenharia do SESC / Antonio Carlos Affonso Martinelli / Luiz Octávio Martini de Carvalho

Cálculo das fundações: Mag – Engenheiros Associados, S.C.

Cálculos estruturais: Figueiredo Ferraz, Consultoria e Engenharia de Projecto, Ltda

Execução de fundações: Estacas Franki

Execução da estrutura de concreto armado e protendido: Método Engenharia e Comercial Construtora PPR

Execução do cimbramento da estrutura de concreto: Rohr

Execução do processo de protensão: Stup

Anotações pessoais

Quando se é um visitante de primeira viagem no centro esportivo não se tem idéia da magnitude que o local possui do lado externo. A primeira sensação é de estranheza, uma fábrica restaurada, galpões de tijolos aparentes. Mas ao se adentrar no espaço aparece um novo local, longe da cidade de São Paulo, como se fosse uma cidadela como a própria arquiteta define, com ruas, ‘casas’ e população; um local não perceptível ao lado externo.




O clima ambiente muda, não só sensitivamente, mas também o clima físico em si. Dentro dos galpões com a presença do espelho d’água que percorre o ambiente e dos grandes vãos sem um fechamento total, surge um frescor ambiente, um respiro na cidade, a própria arquiteta define o SESC Fábrica de Pompéia como um sopro de vento, uma lasca de luz, impressões obtidas no local.




Esse frescor ambiente é causado em parte pela ausência de fechamentos totais internos aos galpões. No galpão de ateliês existem as separações ente os ambientes para os diversos ateliês, mas essas separações feitas em tijolos de concreto não atingem o teto, isolando visualmente e definindo espacialmente sem interromper a ventilação.



Todo o conjunto esportivo apresenta unidade material e continuidade de espaços. A verdade dos materiais está expressa por toda a obra. Apesar de existir certa setorização como a área onde acontecem as atividades culturais, a área onde se pode alimentar e a onde ocorrem as atividades esportivas o conjunto é coeso e facilmente identificável, logo a pessoa que o visita se encontra.


A sempre a presença da fábrica em união com a cultura, com esse ambiente novo criado. A arquitetura não é negada, os galpões são postos em evidencia, mas o que poderia se bruto, rude é quebrado com detalhes da própria obra como o mobiliário especifico, detalhes decorativos e outras sutilezas presentes.



Nos volumes criados nas áreas separadas pelo córrego das Águas Pretas surge também a dualidade entre a cidadela criada e a cidade de São Paulo. Visitando o conjunto esportivo, ao se olhar por entre uma das grandes aberturas nas paredes sai-se daquele mundo singular, daquela cidadelazinha, para estar em contato novamente com a metrópole. Situação parecida ocorre quando se está em uma das grandes rampas que unem esse bloco ao bloco dos vestiários, surge também certo sentimento de domínio da cidade.


Nas rampas aparece também uma sutileza do projeto que afirma a sua singularidade, as flores de mandacaru no ‘desencontro’ das rampas com os blocos. As flores brincam com toda a dureza do concreto aparente e com a sua própria fragilidade logo que protegem para que as pessoas não caiam e são apenas esculturas esbeltas de ferro. O conjunto todo parece brincar com essa dualidade entre o bruto, forte e o singelo e sutil.



De todas as características do conjunto SESC Fábrica de Pompéia o que mais chama atenção é de ainda funcionar e como foi pensado e proposto. É uma arquitetura ‘feia’ no sentido de não ser comum e nem usual, de não ser cansativa e se mostrar sempre nova e encantar ainda visitantes atuais, uma obra que se impõe sem diminuir as pessoas como ocorriam nas catedrais góticas mesmo usando grandes dimensões e concreto aparente. Uma fábrica que solta flores pela chaminé.